Pergunta:
Estou com dificuldades em analisar sintaticamente a frase «Fiz do recreio uma festa».
A minha primeira intuição foi considerar o constituinte «uma festa» complemento direto e o constituinte «do recreio» complemento oblíquo. Mas fazendo a substituição pronominal do complemento direto não me soa muito gramatical a frase «Fi-la do recreio».
Parece-me que aqui o verbo fazer se comporta como um verbo transitivo direto, no sentido de «Transformei o recreio numa festa». Neste caso «o recreio» seria complemento direto e «uma festa» seria predicativo do complemento direto. Substituindo o complemento direto pelo pronome, ficaria «Transformei-o numa festa», o que é perfeitamente gramatical.
O problema da primeira fase é que em termos de sentido ela é equivalente à segunda frase, mas as categorias sintáticas não me parecem encaixar bem.
Outro exemplo: «Fiz o João feliz». Aqui não me parece haver dúvidas: «o João» complemento direto e «feliz» predicativo do complemento direto («Fi-lo feliz»). Mas, retomando o primeiro exemplo, eu poderia dizer, com um significado semelhante: «Fiz do João uma pessoa feliz». E, com a estrutura do verbo fazer, o complemento direto passaria a ser «uma pessoa feliz» e «do João» complemento oblíquo.
Mas mais uma vez não me parece muito gramatical a construção: «Fi-la do João.»
Obrigado.
Resposta:
O constituinte «do recreio» é um complemento oblíquo do verbo fazer, que, neste caso particular, tem um comportamento transitivo-predicativo, estando a ser usado com o sentido de «transformar alguém ou algo em alguma coisa»1.
Enquanto verbo transitivo-predicativo, o verbo fazer pode ser construído com complemento direto e predicativo do complemento direto, como em (1):
(1) «A idade fez o António mais ponderado.»
Porém, este mesmo verbo pode também ser seguido de um complemento preposicional introduzido pela preposição de, como em (2):
(2) «A idade fez do António uma pessoa mais ponderada.»
Se consultarmos os dados do Corpus do Português, de Mark Davies, vemos que parece existir uma tendência para uma maior frequência de uso desta última construção, que, em termos semânticos, é equivalente à que se apresenta em (1).
Em contexto escolar e considerando o quadro sintática tradicional, a estrutura apresentada em dois é problemática, pois, como se explica nesta resposta, gramáticas como a de Cunha e Cintra não preveem a construção de verbos transitivo-predicativos com complementos oblíquos. Existe referência apenas a verbos transitivo-predicativos construídos com complemento direto ou com complemento indireto2 (neste último caso, com o verbo chamar).
Estamos, portanto, perante uma construção que não está prevista nas gramáticas escolares ou mais tradicionais. Não obstante, julgamos que poderemos considerar a possibilidade de o verbo